Entenda quando a “farmacinha” vira risco para idosos
Médico geriatra destaca a urgência de se discutir o uso racional de medicamentos na terceira idade e o papel do especialista na prevenção de intoxicações e complicações graves. O uso inadequado de medicamentos e as interações entre diferentes remédios podem acelerar o declínio cognitivo, aumentar o risco de quedas e levar a internações graves, incluindo casos que evoluem para UTI ou óbito.
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11/11/20254 min read
Entenda quando a “farmacinha” vira risco para idosos
Médico geriatra destaca a urgência de se discutir o uso racional de medicamentos na terceira idade e o papel do especialista na prevenção de intoxicações e complicações graves
São Paulo, 11 de novembro de 2025: Manter uma “farmacinha” em casa é hábito comum, mas entre pessoas idosas essa prática pode se tornar um risco sério. O uso inadequado de medicamentos e as interações entre diferentes remédios podem acelerar o declínio cognitivo, aumentar o risco de quedas e levar a internações graves, incluindo casos que evoluem para UTI ou óbito.
Um estudo publicado em 2025, na Revista Saúde em Redes, observou que entre 2008 e 2022 houve 522.657 casos confirmados de intoxicação por medicamentos no Brasil e identificou tendência anual crescente de casos de cerca de 10,4 % ao ano no País. De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz), o Brasil registra anualmente mais de 30 mil casos de internações devido à intoxicação medicamentosa, com cerca de 20 mil mortes associadas ao uso inadequado dessas drogas.
Entre os idosos, o risco é ainda maior devido à chamada polifarmácia, uso simultâneo de vários medicamentos, muitas vezes prescritos por diferentes especialistas e sem coordenação entre si. “O idoso costuma ter múltiplas doenças crônicas e acaba sendo acompanhado por diferentes médicos, como cardiologista, endocrinologista, reumatologista e neurologista, entre outros, o que pode resultar em prescrições sobrepostas, interações perigosas e até duplicidade de medicações”, explica Felipe Vecchi, médico geriatra e diretor médico e operacional dos residenciais Cora e Vivace, da BSL Saúde.
É justamente aí que entra o papel do geriatra: coordenar o cuidado, revisar as prescrições, identificar riscos e garantir que o tratamento seja seguro e adequado à idade e às condições clínicas do paciente. Segundo o médico, o geriatra atua como gestor de saúde do idoso, acompanhando o histórico de doenças, os exames e os medicamentos utilizados. Ele avalia as interações, ajusta doses e orienta cuidadores e familiares sobre sinais de alerta.
“O cuidado com o idoso precisa ser integral. Isso significa olhar para a parte clínica, mas também para o ambiente, a alimentação, o sono, o apoio emocional e até mesmo a rede de cuidado. Um erro de dosagem ou a combinação de remédios incompatíveis pode causar desde tontura, quedas e declínio cognitivo até falência de órgãos”, alerta Vecchi.
A relação entre polifarmácia e declínio cognitivo
Um estudo publicado em março de 2024, no European Journal of Ageing, reforça a gravidade da polifarmácia entre idosos e seus impactos na saúde cognitiva. A pesquisa acompanhou homens e mulheres idosos vivendo em comunidade no Norte da Itália e encontrou relação direta entre o uso simultâneo de múltiplos medicamentos, as interações medicamentosas e o declínio cognitivo. Segundo os autores, a chamada carga anticolinérgica, comum em tratamentos de doenças crônicas, está associada a piores resultados em testes de memória, atenção e função executiva.
“O estudo alerta que, mesmo quando prescritos corretamente, medicamentos de diferentes especialidades podem somar efeitos colaterais sobre o sistema nervoso central, tornando essencial o acompanhamento médico integrado para revisar prescrições e reduzir riscos”, comenta Vecchi.
Automedicação: uma emergência silenciosa
Casos como o de Lô Borges ilustram o que os especialistas chamam de “emergência silenciosa”. A automedicação, o uso de suplementos sem orientação e a repetição de receitas antigas estão entre os principais fatores de risco.
Entre idosos, é comum a prática de manter “o remédio que sempre funcionou” guardado em casa e utilizá-lo sem orientação atualizada. Estudos mostram que 35% a 60% dos idosos utilizam medicamentos por conta própria, seja por repetição de prescrições antigas, indicação de familiares ou crença de que alguns remédios são “inofensivos” por serem de uso recorrente.
“O ideal é que o idoso tenha um médico de referência, preferencialmente um geriatra, para centralizar as informações. Isso evita duplicidade de tratamentos e reduz a chance de complicações graves”, reforça o especialista.
Na terceira idade, o metabolismo muda: o fígado e os rins podem ter menor capacidade de processamento, tornando doses antes seguras potencialmente tóxicas. Além disso, remédios que parecem simples, caso dos anti-inflamatórios, ansiolíticos e antialérgicos, são responsáveis por grande parte das reações adversas graves registradas em emergências hospitalares.
“Existe uma cultura muito presente entre os idosos de guardar o medicamento que ‘sempre funcionou’ e utilizá-lo quando surge algum sintoma. O problema é que o organismo muda com a idade, e o que era seguro antes pode não ser mais. Sem acompanhamento, a automedicação pode gerar interações perigosas com outros tratamentos”, afirma o geriatra Felipe Vecchi.
Apoio profissional é uma opção
Em situações em que o idoso tem demência ou perda de autonomia, o acompanhamento por cuidadores profissionais ou a institucionalização em residenciais especializados, ainda que por meio período, podem ser uma opção. “O cuidado precisa ser planejado e compartilhado, nunca improvisado. Nesse cenário, o cuidado profissionalizado oferece segurança clínica, estabilidade emocional e rotina estruturada, algo essencial para quem enfrenta demência, fragilidade ou dependência parcial. Mesmo quando o idoso passa parte do tempo em casa e parte em uma instituição, essa integração entre cuidado domiciliar e institucional permite que ele mantenha vínculos afetivos e, ao mesmo tempo, receba suporte adequado”, explica o médico.
O aumento da expectativa de vida exige que as famílias também passem a discutir o planejamento do cuidado como parte da rotina, assim como reconhecer o papel das instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) como parte da mudança cultural necessária. “Deixar a visão de abandono e enxergar esses espaços como ambientes de acolhimento, convivência e promoção da saúde é essencial para o idoso e toda sua família. É preciso falar sobre quem vai cuidar, como e com que estrutura financeira, em verdadeiro gesto de amor e responsabilidade. Envelhecer com qualidade não depende só de viver mais, mas de viver com segurança e dignidade”, conclui.
Activa Comunicação | Fatima Capucci – Andressa Marques
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