Edson Fachin: “O tribunal não é palco de vontades pessoais, mas instância de defesa do pacto constitucional”

O ministro Luiz Edson Fachin, gaúcho de Rondinha (RS), tomou posse nesta tarde, de segunda-feira, como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), com a presença do presidente Lula (PT) e das principais autoridades do País. Em seu discurso, ele deu uma indireta, com rumo certo, sobre as discussões por anistia: “Em momento algum, titubearemos no controle de constitucionalidade de lei ou emenda que afronte a Constituição, os direitos fundamentais e a ordem democrática”.

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9/30/20258 min read

Edson Fachin: “O tribunal não é palco de vontades pessoais, mas instância de defesa do pacto constitucional”

O ministro Luiz Edson Fachin, gaúcho de Rondinha (RS), tomou posse nesta tarde, de segunda-feira, como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), com a presença do presidente Lula (PT) e das principais autoridades do País. Em seu discurso, ele deu uma indireta, com rumo certo, sobre as discussões por anistia: “Em momento algum, titubearemos no controle de constitucionalidade de lei ou emenda que afronte a Constituição, os direitos fundamentais e a ordem democrática”.

Entre os pontos citados por Fachin estão: “Assumo não um poder, mas um dever: respeitar a Constituição e apreender limites”; “Presidir o Tribunal guardião da Constituição do Estado de Direito democrático não confere privilégios: amplia responsabilidades”; “Estou certo de que o Tribunal que integro e que passo a presidir não falta à Constituição nem deslustra a sua tradição”; “A Constituição de 1988 nos fez cidadãos. Não é uma carta de privilégios, mas um documento de responsabilidades, direitos e deveres”; “A independência do Poder Judiciário é condição para que as liberdades sejam preservadas”; “A democracia é o espaço do dissenso, e é natural que haja divergências, inclusive em nossas decisões. Mas o dissenso deve ser regulado pela Constituição, que é o pacto maior da nação.”; “Desigualdade social, exclusão econômica, violência contra pessoas vulneráveis, desrespeito às minorias, crises ambientais. Nada disso se resolverá sem respeito à Constituição e sem instituições fortes.”; “Não há democracia sem Judiciário independente. Não há democracia sem Parlamento atuante. Não há democracia sem imprensa livre. Não há democracia sem a sociedade civil organizada.”;

Íntegra do discurso de posse do presidente do STF, ministro Edson Fachin

“Excelentíssimos Senhores: Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre; Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta; Procurador-Geral da República, Paulo Gonet; Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti; e o Defensor-Público-Geral Federal, Leonardo Cardoso de Magalhães, saúdo cordialmente. Cumprimento também o Ministro Luís Roberto Barroso, a quem sucedo; o Ministro Alexandre de Moraes, agora vice-presidente; a Ministra Carmen Lúcia, agradecendo suas generosas palavras; e os Ministros Decano Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

Na pessoa da Juíza Nancy Hernández, Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cumprimento as autoridades estrangeiras que nos honram com a presença.

Era uma manhã de sol e poeira. Meu pai e eu, vindos da colônia, caminhávamos com pressa rumo à agência do Banco do Brasil. Próximos ao centro, ele segurou meu braço e, em tom grave e sereno, advertiu: diminua o passo, vá devagar, respeite — à frente está o juiz da Comarca.

Na simplicidade daquele gesto havia a lição silenciosa do respeito. Essa imagem de infância permanece viva em minha memória. Foi esse juiz do interior que, em 2015, tomou posse comigo neste Tribunal. E é essa função paterna, agora amadurecida, que hoje me conduz à Presidência.

Assumo não um poder, mas um dever: respeitar a Constituição e apreender limites. Buscaremos cultivar a virtude do discernimento para eleger, entre as tantas boas ideias que as administrações anteriores tiveram, aquelas cuja hora tenha chegado, e para não impedir de frutificarem aquelas já maduras. Presidir o Tribunal guardião da Constituição do Estado de Direito democrático não confere privilégios: amplia responsabilidades.

Da Presidência se despede um dos juristas mais talentosos da minha geração, o Ministro Luís Roberto Barroso. Ao amigo fraterno desejo, para o bem do país e de todos nós, que conserve sempre a vitalidade intelectual, a inspiração que lhe é própria e a juventude de espírito que o distingue.

Terei ao lado o Vice-Presidente Alexandre de Moraes, magistrado que engrandece este Tribunal e que aqui chegou com uma carreira consolidada como jurista e professor de direito constitucional. É um amigo e um juiz feito fortaleza. Sua Excelência, como integrante deste tribunal, merece nossa saudação e nossa solidariedade, e sempre a receberá, como assim o faremos em desagravo a cada membro deste colegiado, a cada juiz ou juíza deste país, em defesa justa do exercício autônomo e independente da magistratura.

Estou certo de que o Tribunal que integro e que passo a presidir não falta à Constituição nem deslustra a sua tradição. Com serenidade, empenhar-me-ei na preservação dos valores que moldam a identidade do Supremo Tribunal Federal. Impende voltar-se ao básico. Queremos racionalidade, diálogo e discernimento. Nossa matéria há de ser empírica e verificável. Antes mesmo dos direitos ou das garantias temos deveres a cumprir. A dinâmica que enlaça tradição e movimento projeta mudanças sem açodamentos, senda na qual caminharemos.

Na cadeira de Presidente encontro não apenas um assento, e sim a presença viva dos mestres que me formaram e a memória generosa das pessoas que me apoiaram nesta caminhada. Uma fé moldou a minha história. Como tantas mulheres brasileiras, minha mãe contou com a educação como caminho de transformação. Fui para a cidade grande estudar, sem passagem de volta. E hoje estou aqui.

Da escola rural em que recebi das mãos de minha mãe as primeiras letras ao me alfabetizar, guardo o melhor da minha formação: a fidúcia e o compromisso. A minha caminhada foi feita desse legado, concebido e nascido no Planalto Médio gaúcho e que se reconheceu cultivado no Paraná. Ingressei numa grande e histórica universidade pública, a Universidade do Mate, única chance para fazer um curso universitário. Ainda estudante da Universidade Federal do Paraná, não me fiz indiferente ao que pulsa até hoje no prédio histórico de 1912.

A terra das Araucárias me acolheu por adoção e lá, de 1972, herdamos a histórica Declaração de Curitiba pela restauração da democracia. Também lá, em 1978, a VII Conferência da OAB, presidida por Raymundo Faoro, nos inspirou com a retomada do Estado de Direito. Aprendi que a pátria deve ser uma mãe simbólica que tece para seus filhos um laço de identidade coletiva, sem exclusões nem discriminações. É uma árvore frondosa cujo tronco se funda nas diversas e fecundas raízes de nossas bases culturais. Por isso, o Estado e a sociedade devem ser democráticos e republicanos.

A Constituição de 1988 nos fez cidadãos. Não é uma carta de privilégios, mas um documento de responsabilidades, direitos e deveres. A sua força deriva da vontade popular que lhe deu origem. É nossa tarefa mantê-la viva, respeitá-la e cumpri-la.

O Supremo Tribunal Federal, guardião desse texto, tem a missão de assegurar que a lei maior não seja letra morta. A independência do Poder Judiciário é condição para que as liberdades sejam preservadas. Um tribunal forte não significa um tribunal isolado. Significa um tribunal aberto ao diálogo institucional, mas fiel aos seus compromissos constitucionais.

A democracia é o espaço do dissenso, e é natural que haja divergências, inclusive em nossas decisões. Mas o dissenso deve ser regulado pela Constituição, que é o pacto maior da nação. É nela que encontramos limites e horizontes. É nela que se assegura a convivência plural e respeitosa.

Senhoras e Senhores, o Brasil enfrenta desafios profundos.

Desigualdade social, exclusão econômica, violência contra pessoas vulneráveis, desrespeito às minorias, crises ambientais. Nada disso se resolverá sem respeito à Constituição e sem instituições fortes. É preciso reconhecer que democracia não é apenas regime político: é forma de vida.

A história ensina que não há democracia sem freios e contrapesos. Não há democracia sem Judiciário independente. Não há democracia sem Parlamento atuante. Não há democracia sem imprensa livre. Não há democracia sem a sociedade civil organizada.

É preciso que o Supremo Tribunal Federal esteja à altura dessa responsabilidade. Devemos atuar com prudência, mas também com firmeza. O tribunal não é palco de vontades pessoais, mas instância de defesa do pacto constitucional.

Assumo esta Presidência com espírito de serviço. Nenhuma realização será possível sem a colaboração de meus pares, servidores, assessores e de toda a sociedade. Juntos, construiremos um tribunal que respeite seu passado, honre sua tradição e esteja preparado para o futuro.

Convido cada brasileira e cada brasileiro a manter viva a chama da cidadania. A Constituição não é obra acabada: ela se renova a cada dia, na vida concreta das pessoas. É nesse cotidiano que devemos garantir dignidade, liberdade e justiça.

Sei da imensa responsabilidade que recai sobre meus ombros. Mas não estou só. Trago comigo a memória dos que me antecederam, a confiança dos que me apoiam e a esperança de que podemos, sim, fazer do Brasil uma pátria de todos.

Concluo reafirmando meu compromisso: respeitar e fazer respeitar a Constituição da República Federativa do Brasil. Esse é o norte, esse é o caminho, essa é a missão.

Muito obrigado”.

Elogios a Alexandre de Moraes

Presidente e vice-presidente (Foto: Luiz Silveira/ STF)

Em seu discurso, Edson Fachin fez elogios a Alexandre de Moraes e foi aplaudido pelos presentes. “Sua excelência, como ministro deste Tribunal, merece nossa saudação e nossa solidariedade. E sempre a receberá, como assim o faremos em desagravo a cada membro deste colegiado, a cada juiz ou juíza desse país, em defesa justa do exercício independente da magistratura”, falou sobre seu vice-presidente.

O STF tem sido alvo de ataques do governo dos Estados Unidos, que aplicou sanções financeiras contra Alexandre de Moraes e revogou seu visto de entrada no país, assim como fez contra outros membros da Corte. O próprio Edson Fachin foi alvo e não pode mais entrar nos EUA.

“Democracia ultrajada por antidemocráticos”

Ministra Cármen Lúcia discursa na cerimônia de posse de Edson Fachin como presidente do STF (Credito: Antonio Augusto/STF)

Cármen Lúcia – única mulher na composição atual do tribunal – foi escolhida para fazer um discurso de saudação em nome do STF. A ministra disse que a posse do novo presidente é particularmente importante por causa da “gravidade especial do momento histórico” atravessado pelo País.

O discurso de Cármen Lúcia ,fez referências indiretas ao 8 de Janeiro e ao plano de golpe, embora a ministra não tenha mencionado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A ministra também afirmou que o STF está “coeso, conquanto plural”, e que o tribunal tem “apreço pela institucionalidade”, em um recado claro de que a Corte continuará como um baluarte em defesa da democracia.

“Um mundo dividido que precisa da sua integridade e virtudes pessoais”, afirmou Barroso

Ministro do STF Luiz Roberto Barros – Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A sessão foi aberta pelo atual presidente, ministro Luís Roberto Barroso, que fez elogios ao sucessor, em uma quebra de protocolo. A fala – ainda que breve – não estava prevista no roteiro da cerimônia.

Barroso disse que Fachin assume o cargo “num mundo dividido que precisa muito da sua integridade, da sua capacidade intelectual e das suas virtudes pessoais”.

“É uma benção para o País neste momento poder ter uma pessoa como Vossa Excelência conduzindo o Supremo, com o encargo de manter as luzes acesas nesses tempos em que de vez em quando aparece escuridão”, afirmou Barroso.

A Coluna Repórter Brasília é publicada simultaneamente no Jornal do Comercio, o jornal de economia e negócios do Rio Grande do Sul.

Edgar Lisboa

(Ilustração, Edgar Lisboa com recursos de IA) Edson Fachin, STF